O gálio tem uma história notável porque sua descoberta validou uma das previsões mais famosas de Dmitri Mendeleev (1834-1907). Em 1871, Mendeleev previu a existência de um elemento que chamou de eka-alumínio, localizado abaixo do alumínio em sua tabela periódica. Ele descreveu suas propriedades esperadas com impressionante precisão: densidade de cerca de 5,9 g/cm³, baixo ponto de fusão, capacidade de formar óxidos e sais.
Em 1875, o químico francês Paul-Émile Lecoq de Boisbaudran (1838-1912) descobriu o gálio ao analisar, por espectroscopia, uma blenda de zinco dos Pirenéus. Ele observou duas novas linhas violetas no espectro e conseguiu isolar alguns miligramas do novo metal. As propriedades medidas correspondiam quase perfeitamente às previsões de Mendeleev, constituindo uma validação brilhante da tabela periódica.
O nome gálio foi escolhido por Lecoq de Boisbaudran em referência ao nome latino da França (Gallia), embora alguns tenham sugerido um trocadilho bilíngue com seu próprio nome (le coq significa gallus em latim). O próprio Mendeleev parabenizou Lecoq de Boisbaudran, destacando algumas pequenas diferenças em relação às suas previsões, especialmente em relação à densidade.
O gálio (símbolo Ga, número atômico 31) é um metal pobre do grupo 13 da tabela periódica. Seu átomo possui 31 prótons, geralmente 38 nêutrons (para o isótopo mais abundante \(\,^{69}\mathrm{Ga}\)) e 31 elétrons com a configuração eletrônica [Ar] 3d¹⁰ 4s² 4p¹.
O gálio possui propriedades físicas excepcionais que o distinguem de quase todos os outros metais. À temperatura ambiente, é um metal sólido branco prateado brilhante, relativamente denso (densidade ≈ 5,91 g/cm³ na forma sólida). Sua característica mais notável é seu ponto de fusão extraordinariamente baixo: 29,76 °C (302,91 K), o que significa que ele literalmente derrete na mão humana.
O gálio apresenta uma propriedade única e espetacular: uma faixa líquida excepcionalmente ampla. Ele permanece líquido de 29,76 °C até seu ponto de ebulição a 2.400 °C (2.673 K), ou seja, uma faixa de mais de 2.370 °C. Esta é uma das maiores faixas líquidas de todos os elementos, comparável apenas à do mercúrio.
O gálio sólido é relativamente macio e pode ser cortado com uma faca. Ele apresenta uma estrutura cristalina ortorrômbica incomum com apenas um átomo vizinho mais próximo (a 2,43 Å), o que explica em parte seu baixo ponto de fusão. Como a água, o gálio se expande ao solidificar (aumento de volume de cerca de 3,1%), uma propriedade rara entre os metais.
O gálio líquido tem a particularidade de "molhar" a maioria dos outros metais (exceto ferro, tungstênio e tântalo), penetrando em suas fronteiras de grão e podendo fragilizá-los. O vidro e a porcelana são os materiais de escolha para conter o gálio líquido.
O ponto de fusão (estado líquido) do gálio: 302,91 K (29,76 °C).
O ponto de ebulição (estado gasoso) do gálio : 2.673 K (≈ 2.400 °C).
| Isótopo / Notação | Prótons (Z) | Nêutrons (N) | Massa atômica (u) | Abundância natural | Meia-vida / Estabilidade | Decaimento / Observações |
|---|---|---|---|---|---|---|
| Gálio-69 — \(\,^{69}\mathrm{Ga}\,\) | 31 | 38 | 68.925574 u | ≈ 60,11 % | Estável | Isótopo dominante do gálio natural. Possui um momento magnético nuclear usado em RMN. |
| Gálio-71 — \(\,^{71}\mathrm{Ga}\,\) | 31 | 40 | 70.924701 u | ≈ 39,89 % | Estável | Segundo isótopo estável. Também usado em espectroscopia de RMN. |
| Gálio-67 — \(\,^{67}\mathrm{Ga}\,\) | 31 | 36 | 66.928202 u | Sintético | ≈ 3,26 dias | Radioativo (captura eletrônica). Emissor gama usado em medicina nuclear para imagem de infecções e tumores. |
| Gálio-68 — \(\,^{68}\mathrm{Ga}\,\) | 31 | 37 | 67.927980 u | Sintético | ≈ 67,7 minutos | Radioativo (β⁺, captura eletrônica). Emissor de pósitrons usado em PET (tomografia por emissão de pósitrons) para imagem médica. |
| Gálio-72 — \(\,^{72}\mathrm{Ga}\,\) | 31 | 41 | 71.926367 u | Sintético | ≈ 14,1 horas | Radioativo (β⁻). Produzido em reatores nucleares, usado em pesquisa. |
N.B. :
As camadas eletrônicas: Como os elétrons se organizam ao redor do núcleo.
O gálio possui 31 elétrons distribuídos em quatro camadas eletrônicas. Sua configuração eletrônica completa é : 1s² 2s² 2p⁶ 3s² 3p⁶ 3d¹⁰ 4s² 4p¹, ou de maneira simplificada: [Ar] 3d¹⁰ 4s² 4p¹. Esta configuração também pode ser escrita : K(2) L(8) M(18) N(3).
Camada K (n=1): contém 2 elétrons na subcamada 1s. Esta camada interna está completa e é muito estável.
Camada L (n=2): contém 8 elétrons distribuídos em 2s² 2p⁶. Esta camada também está completa, formando uma configuração de gás nobre (neônio).
Camada M (n=3): contém 18 elétrons distribuídos em 3s² 3p⁶ 3d¹⁰. A presença da subcamada 3d completa é característica dos elementos pós-transição e influencia significativamente as propriedades do gálio.
Camada N (n=4): contém 3 elétrons distribuídos em 4s² 4p¹. Estes três elétrons constituem os elétrons de valência do gálio.
Os 3 elétrons da camada externa (4s² 4p¹) são os elétrons de valência do gálio. Esta configuração explica suas propriedades químicas:
O estado de oxidação principal do gálio é +3, onde ele perde seus três elétrons de valência para formar o íon Ga³⁺ com a configuração estável [Ar] 3d¹⁰. Esta configuração de subcamada d completa é particularmente estável.
Um estado de oxidação +1 também existe, especialmente em haletos de gálio(I) como GaCl ou GaBr, embora seja menos estável e se dismute facilmente: 3Ga⁺ → 2Ga⁰ + Ga³⁺. O estado +1 envolve a perda do único elétron 4p¹, deixando o par 4s² intacto (efeito de par inerte).
Estados de oxidação +2 foram observados em alguns compostos transitórios, mas são raros e instáveis. O gálio metálico (estado 0) existe naturalmente em sua forma elementar.
A presença da subcamada 3d¹⁰ completa logo antes dos elétrons de valência tem um efeito importante: ela protege mal a carga nuclear, fazendo com que os elétrons 4s e 4p fiquem mais fortemente ligados ao núcleo. Esta é uma das razões pelas quais o raio atômico do gálio (135 pm) é surpreendentemente semelhante ao do alumínio (143 pm) apesar de uma camada eletrônica adicional, um fenômeno chamado contração dos lantanídeos (embora neste caso, seja devido à série 3d).
O gálio é relativamente pouco reativo à temperatura ambiente. Ele se cobre rapidamente com uma fina camada de óxido de gálio (Ga₂O₃) que o protege de maior oxidação. Esta camada protetora confere ao gálio uma resistência razoável à corrosão atmosférica.
O gálio reage lentamente com o oxigênio à temperatura ambiente, mas oxida-se rapidamente a altas temperaturas, formando óxido de gálio(III): 4Ga + 3O₂ → 2Ga₂O₃. Este óxido é anfótero, reagindo tanto com ácidos quanto com bases.
O gálio reage com a maioria dos ácidos não oxidantes para formar sais de gálio(III) e liberar hidrogênio: 2Ga + 6HCl → 2GaCl₃ + 3H₂. No entanto, ele resiste ao ácido nítrico concentrado, que forma uma camada de óxido protetora (passivação).
Com bases fortes, o gálio reage para formar galatos: 2Ga + 2OH⁻ + 6H₂O → 2[Ga(OH)₄]⁻ + 3H₂. Esta reação é semelhante à do alumínio, refletindo sua posição no mesmo grupo da tabela periódica.
O gálio reage vigorosamente com os halogênios para formar tri-haletos: 2Ga + 3X₂ → 2GaX₃ (onde X = F, Cl, Br, I). Ele também reage com enxofre, selênio e telúrio para formar calcogenetos de gálio.
Uma propriedade notável do gálio líquido é sua capacidade de dissolver muitos metais, formando amálgamas ou ligas líquidas. Ele pode fragilizar certos metais por penetração intergranular, um fenômeno chamado fragilização por metal líquido.
O gálio é sintetizado nas estrelas por vários processos de nucleossíntese. Ele se forma principalmente durante a combustão explosiva do silício durante as explosões de supernovas do tipo II, bem como por processos de captura de nêutrons lentos (processo s) em estrelas da fase assintótica das gigantes (AGB).
Os dois isótopos estáveis do gálio (\(\,^{69}\mathrm{Ga}\) e \(\,^{71}\mathrm{Ga}\)) são produzidos por esses mecanismos e dispersos no meio interestelar durante eventos cataclísmicos. A razão isotópica ⁶⁹Ga/⁷¹Ga medida em meteoritos primitivos fornece informações sobre as condições de nucleossíntese no sistema solar primordial.
A abundância de gálio no universo é relativamente baixa, cerca de 10⁻⁹ vezes a do hidrogênio em número de átomos. Esta raridade cósmica reflete as dificuldades na formação de núcleos nesta região de massa atômica (A ≈ 70) durante a nucleossíntese estelar.
O gálio desempenha um papel particular na física de neutrinos. O experimento GALLEX (GALLium EXperiment), realizado no laboratório subterrâneo de Gran Sasso, na Itália, entre 1991 e 1997, utilizou 30 toneladas de gálio metálico para detectar os neutrinos solares de baixa energia por meio da reação: νₑ + ⁷¹Ga → ⁷¹Ge + e⁻. Este experimento contribuiu para a descoberta da oscilação de neutrinos, confirmando que os neutrinos têm massa.
As linhas espectrais do gálio ionizado (Ga II, Ga III) são às vezes observadas nos espectros de estrelas quentes e objetos estelares particulares. O estudo dessas linhas ajuda a entender o enriquecimento químico das estrelas e a evolução química das galáxias.
N.B. :
O gálio está presente na crosta terrestre em uma concentração de aproximadamente 0,0019% em massa (19 ppm), o que o torna um elemento relativamente raro, comparável em abundância ao chumbo. Ele não forma minerais próprios, mas está sempre associado a outros elementos, principalmente em minerais de alumínio (bauxita), zinco (blenda) e germânio.
O gálio é extraído principalmente como subproduto do processamento da bauxita para produzir alumínio, onde se concentra nos licores de Bayer. Outra fonte importante é o tratamento da poeira de fornos de zinco. A produção mundial de gálio primário é de cerca de 450 toneladas por ano, principalmente na China (≈ 80%), Alemanha, Cazaquistão e Coreia do Sul.
A reciclagem do gálio está se tornando cada vez mais importante com o crescimento dos resíduos eletrônicos. O gálio pode ser recuperado de circuitos integrados antigos, LEDs e células fotovoltaicas, embora os processos de reciclagem ainda sejam caros e pouco difundidos. A taxa de reciclagem atual é estimada em menos de 1% da produção total.
A demanda por gálio está crescendo rapidamente (cerca de 10% ao ano) devido à expansão do mercado de LEDs, dispositivos 5G e veículos elétricos. Esse crescimento levanta questões sobre a segurança do fornecimento a longo prazo, especialmente porque o gálio é considerado um material crítico pela União Europeia e Estados Unidos devido à sua importância estratégica e à concentração geográfica de sua produção.