A astronomia andina refere-se ao conjunto de conhecimentos e práticas astronômicas desenvolvidas pelas civilizações que se sucederam na cordilheira dos Andes, desde as primeiras culturas organizadas até a conquista espanhola no século XVI. Esta tradição astronômica abrange mais de três milênios e inclui muitas civilizações, cada uma contribuindo para um corpus de conhecimentos transmitidos e enriquecidos de geração em geração.
O Império Inca, embora tenha existido por menos de dois séculos em sua forma imperial, representa o ápice dessa longa tradição astronômica. Os incas não criaram sua astronomia do zero, mas herdaram, assimilaram e aperfeiçoaram os conhecimentos das civilizações que os precederam. No entanto, foi sob o Império Inca que as fontes mais precisas chegaram até nós, principalmente por meio dos relatos dos cronistas espanhóis do século XVI.
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O Império Inca (Tawantinsuyu em quíchua) desenvolveu-se entre os séculos XIII e XVI, atingindo seu apogeu no século XV sob o reinado de Pachacuti. A astronomia inca era praticada por sacerdotes especializados e guiava as atividades agrícolas, religiosas e políticas.
Os povos andinos desenvolveram uma astronomia única no mundo, profundamente enraizada em sua visão cosmológica tripartida. Sua observação meticulosa do céu ao longo de milênios permitiu-lhes criar um sistema complexo de calendários, orientar seus templos com notável precisão e desenvolver uma abordagem original das constelações que distingue sua astronomia de todas as outras tradições do mundo.
Ao contrário da astronomia ocidental, que observa principalmente as estrelas brilhantes, a astronomia andina atribuía grande importância às constelações escuras, essas zonas escuras da Via Láctea formadas por nuvens de poeira cósmica. Esta inovação astronômica reflete uma compreensão profunda do céu noturno e uma cosmovisão onde o vazio e a escuridão tinham tanto significado quanto a luz. O universo andino era dividido em três mundos interconectados: o Hanan Pacha (mundo celeste), o Kay Pacha (mundo terrestre) e o Ukhu Pacha (mundo subterrâneo), ligados por eixos sagrados.
| Período | Contribuição científica | Precisão ou característica | Fonte ou local |
|---|---|---|---|
| Caral (3000-1800 a.C.) | Observatórios circulares | Estruturas astronômicas monumentais alinhadas com os solstícios, testemunhando 5000 anos de astronomia andina | Caral-Supe, Peru |
| Nazca (200 a.C. - 600 d.C.) | Geoglifos astronômicos | Linhas de vários quilômetros alinhadas com solstícios (21 de junho/21 de dezembro) e nascer heliaco das Plêiades | Nazca, Peru |
| Tiwanaku (500-1000 d.C.) | Porta do Sol | Calendário solar de 290 dias gravado em um monolito de 10 toneladas, representando ciclos agrícolas e rituais | Tiwanaku, Bolívia |
| Império inca (1438-1533) | Sistema de ceques | 41 linhas radiais conectando 328 huacas, funcionando como calendário astronômico, social e hidráulico | Cusco, Peru |
| Império inca (1438-1533) | Constelações escuras | Inovação única no mundo: observação das zonas escuras da Via Láctea (Yacana, Yutu, Machacuay, etc.) | Observação de todo o império |
| Império inca (1438-1533) | Coricancha (Templo do Sol) | Paredes e janelas orientadas com precisão nos equinócios e solstícios, cobertas com 700 placas de ouro refletindo o sol | Cusco, Peru |
| Por volta de 1450 | Intihuatana de Machu Picchu | Pilar astronômico que projeta sombras específicas nos equinócios, "sem sombra" ao meio-dia solar nos solstícios | Machu Picchu, Peru |
| Império inca (1438-1533) | Observação das Plêiades (Qollqa) | Previsão climática baseada na clareza aparente em junho, correlacionada cientificamente com o fenômeno El Niño | Prática generalizada nos Andes |
| Império inca (1438-1533) | Calendário lunissolar | 12 meses lunares (354 dias) ajustados ao ciclo solar (365 dias) por observação direta dos solstícios | Sistema administrativo inca |
| Império inca (1438-1533) | Torres solares (Sukanqa) | 12 torres em colinas ao redor de Cusco marcando posições mensais do sol no horizonte montanhoso | Cusco e sítios principais |
| Pré-inca e inca | Observatórios de altitude | Locais astronômicos e rituais a mais de 5.000 m de altitude, oferecendo clareza atmosférica excepcional | Cumes dos Andes (Llullaillaco, etc.) |
| Império inca (1438-1533) | Conceito de Mayu (Via Láctea) | Visão cíclica do rio celestial ligado aos rios terrestres, refletindo a compreensão do ciclo hidrológico | Cosmovisão andina |
Fonte: National Radio Astronomy Observatory e estudos etnoastronômicos andinos.
A observação das constelações escuras (yana phuyu em quíchua, que significa "nuvens negras") constitui a contribuição mais original da astronomia andina. Em vez de conectar estrelas brilhantes, os astrônomos incas identificavam formas de animais nas faixas escuras da Via Láctea. Essas constelações representavam principalmente animais importantes na vida cotidiana e ritual andina.
Essas constelações não eram apenas referências celestes, mas entidades vivas que participavam da ordem cósmica. Sua visibilidade sazonal estava estreitamente ligada aos ciclos agrícolas e aos rituais religiosos, criando um calendário celeste que guiava as atividades terrestres.
Os incas chamavam a Via Láctea de Mayu, que significa "rio" em quíchua. Esta concepção refletia sua visão cíclica da água: o rio terrestre subia ao céu para formar o rio celestial, que, por sua vez, retornava à terra na forma de chuva. Esta compreensão intuitiva do ciclo hidrológico se integrava perfeitamente em sua cosmovisão, onde céu e terra estavam em interação permanente.
A Via Láctea era dividida em dois braços por uma zona escura, criando a imagem de um rio bifurcado. Esses dois braços de Mayu estavam associados às duas estações principais do calendário agrícola andino: a estação seca e a estação chuvosa. A orientação da Via Láctea no céu noturno mudava conforme as estações, indicando assim o momento adequado para plantar, irrigar ou colher.
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A visibilidade ideal da Via Láctea no hemisfério sul, combinada com a alta altitude dos sítios incas como Cusco, localizada a 3.400 metros acima do nível do mar, permitia uma observação excepcionalmente clara das estruturas escuras.
O sistema de ceques representa uma das realizações mais sofisticadas da astronomia e engenharia inca. A partir do Coricancha (Templo do Sol) em Cusco, capital do império, irradiavam 41 linhas imaginárias chamadas ceques, conectando mais de 328 santuários sagrados (huacas) dispostos dentro e ao redor da cidade.
O Coricancha em si foi projetado como um observatório astronômico. Suas paredes e janelas estavam orientadas segundo eixos astronômicos precisos, permitindo que os sacerdotes acompanhassem o movimento do sol ao longo do ano e determinassem as datas das importantes cerimônias agrícolas e religiosas.
O Sol, chamado Inti, ocupava um lugar central na religião e astronomia inca. O Inca (imperador) era considerado o filho do Sol, e o Coricancha em Cusco era o templo principal dedicado a essa divindade. As paredes do templo eram cobertas com placas de ouro que refletiam a luz solar, simbolizando a presença do deus na terra.
Os incas seguiam meticulosamente o movimento anual do sol, observando seus pontos de nascer e pôr ao longo do horizonte montanhoso. Eles construíram inti watana (literalmente "onde se amarra o sol"), estruturas de pedra que serviam como relógios de sol e observatórios. O mais famoso está localizado em Machu Picchu, onde um pilar de pedra era usado para acompanhar a posição do sol e determinar os solstícios.
Durante o solstício de inverno (21 de junho no hemisfério sul), os incas celebravam o Inti Raymi, a festa do Sol, marcando o momento em que o astro começava seu retorno ao norte, prometendo dias mais longos e estações mais favoráveis. Esta cerimônia era uma das mais importantes do ano, envolvendo sacrifícios, ofertas e rituais elaborados destinados a garantir o retorno do sol e a fertilidade da terra.
O aglomerado estelar das Plêiades, chamado Qollqa (celeiro) em quíchua, desempenhava um papel crucial no calendário agrícola andino. Os incas observavam atentamente a primeira aparição das Plêiades ao amanhecer (nascer heliaco) em junho, que coincidia com o início da estação seca e marcava o momento da colheita.
O tamanho aparente e a clareza das Plêiades em junho eram usados para prever as condições climáticas do ano seguinte. Se o aglomerado aparecesse brilhante e bem definido, pressagiava uma boa temporada com chuvas normais. Se as estrelas parecessem fracas ou turvas, anunciava um ano difícil com precipitações insuficientes ou excessivas, levando os agricultores a ajustar suas estratégias de plantio.
Esse método de previsão meteorológica baseado na observação das Plêiades foi estudado por cientistas modernos, que confirmaram uma correlação entre a clareza aparente do aglomerado (afetada pela cobertura de nuvens em alta altitude) e as condições climáticas resultantes do fenômeno El Niño na região andina.
Os incas usavam um sistema de calendário que combinava elementos lunares e solares. O ano era dividido em 12 meses lunares de 29 ou 30 dias, totalizando aproximadamente 354 dias. Para alinhar esse calendário lunar com o ano solar de 365 dias, eles adicionavam periodicamente dias extras, provavelmente determinados pela observação direta dos solstícios.
Os incas também construíram torres de observação solar (sukanqa) nas colinas ao redor de Cusco. Essas estruturas marcavam o horizonte e permitiam que os astrônomos acompanhassem com precisão as posições de nascer e pôr do sol ao longo do ano, determinando assim os momentos exatos para o plantio e a colheita de diferentes culturas e altitudes.
A arquitetura inca integrava sistematicamente alinhamentos astronômicos. Em Machu Picchu, várias estruturas apresentam orientações precisas:
Em Pisac, o sítio arqueológico possui um intihuatana semelhante e estruturas cujas orientações correspondem a eventos solares-chave. Em Ollantaytambo, o Templo do Sol tem uma janela que é diretamente iluminada durante o solstício de inverno, criando um espetáculo de luz usado em cerimônias religiosas.
Esses alinhamentos não eram apenas simbólicos, mas funcionais, permitindo que os sacerdotes-astrônomos mantivessem um calendário preciso sem instrumentos de medição complexos. A arquitetura em si servia como um instrumento astronômico gigante, integrando a função observacional no próprio tecido dos templos e palácios.