Desde Charles Darwin (1809-1882), a teoria da evolução baseia-se no princípio da seleção natural. Esta favorece a transmissão de características melhor adaptadas ao ambiente. No imaginário coletivo, essa evolução é frequentemente percebida como uma progressão linear em direção a uma complexidade crescente. No entanto, a natureza mostra que a evolução não tem uma direção privilegiada: ela também pode levar a formas simplificadas, perda de órgãos ou até mesmo a uma verdadeira devolução.
A evolução não tem direção nem finalidade. Ela explora as possibilidades oferecidas pelo ambiente e conserva o que funciona, mesmo que isso signifique uma simplificação aparente. Como destacava Stephen Jay Gould (1941-2002), a complexidade é apenas uma consequência acidental da vida, não seu destino. A devolução lembra que a natureza não "progride", ela se adapta.
N.B.:
O termo devolução não é reconhecido como um conceito formal pela biologia moderna. Trata-se de uma descrição metafórica para designar os processos de perda funcional ou simplificação evolutiva.
Em sua teoria "A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida" (1859), Charles Darwin nunca usa a palavra "evolução". O termo aparece apenas uma vez, e somente na última edição (a 6ª, de 1872), na frase final: "Há grandeza nesta concepção de vida... a partir de um começo tão simples, formas inumeráveis, as mais belas e maravilhosas, têm sido e ainda são geradas por evolução."
Darwin desconfiava da palavra "evolução", pois antes dele, ela designava principalmente um desenvolvimento pré-programado, um desdobramento de um plano interno (notadamente em Lamarck), enquanto sua teoria se baseava justamente na ausência de plano ou direção.
A ascensão contínua em direção a maior inteligência, tamanho e perfeição é uma visão tingida de antropocentrismo, um equívoco sobre a teoria de Charles Darwin. Às vezes, a melhor adaptação é regressar.
A devolução não é uma "regressão" no sentido pejorativo. Ela descreve, antes, um fenômeno evolutivo em que um organismo perde características complexas em favor de uma forma mais simples. Não é um retorno a um ancestral, mas uma nova adaptação por subtração. A força motriz não é a "regressão", mas uma pressão seletiva que favorece a simplicidade quando a complexidade se torna um fardo.
Toda estrutura complexa tem um custo. Cada órgão, rede celular ou gene expresso consome energia, requer controle genético e manutenção. Quando o ambiente não exige mais certas funções, a pressão seletiva que as mantinha desaparece. A espécie ganha em eficiência energética ao simplificar sua arquitetura biológica.
| Organismo | Característica Perdida ou Simplificada | Causa ou Contexto Adaptativo | Comentário |
|---|---|---|---|
| Peixe cavernícola Astyanax mexicanus | Perda dos olhos e da pigmentação | Vida na escuridão total, economia de energia | Perder a visão não é um "erro" da evolução; é uma adaptação notável que permitiu a essas espécies conquistar um nicho ecológico extremo. |
| Tênia (Taenia solium) | Desaparecimento do tubo digestivo | Absorção direta dos nutrientes do hospedeiro | Redução extrema do metabolismo e perda do sistema digestivo, resultando em uma especialização parasitária completa, onde o organismo sobrevive absorvendo diretamente os nutrientes de seu hospedeiro. |
| Cobras (descendentes de lagartos) | Membros anteriores Membros posteriores | Adaptação à escavação Locomoção por ondulação | A perda dos membros está correlacionada a estilos de vida escavadores ou locomoção por ondulação do corpo, mais eficiente para se mover em tocas ou perseguir presas. |
| Baleia (Balaenoptera musculus) | Perda dos membros posteriores | Adaptação completa ao ambiente aquático | Membros traseiros seriam uma fonte de arrasto e tornariam a natação muito menos eficiente. |
| Pinguim (Aptenodytes forsteri) | Perda do voo | Transformação das asas em nadadeiras | Conversão aerodinâmica para hidrodinâmica, para propulsão eficiente debaixo d'água. |
| Avestruz (Struthio camelus) | Incapacidade de voar | Adaptação à corrida terrestre rápida | Energia redirecionada para a corrida: As asas residuais servem para equilíbrio e exibição nupcial. |
| Formiga cortadeira Atta cephalotes | Capacidade de digerir celulose | Simbiose com fungo Divisão do trabalho | Ao externalizar sua digestão de celulose para fungos simbióticos, perderam essa capacidade fisiológica, favorecendo uma especialização coletiva onde cada membro da colônia contribui para um sistema alimentar mutualista. |
| Ave Apteryx australis (kiwi) | Redução das asas e dos olhos | Vida noturna e terrestre nas florestas da Nova Zelândia | Sua plumagem regressou para uma textura macia semelhante a pelos, enquanto suas narinas terminais e olfato hiperdesenvolvido compensam essa simplificação, tornando-o um predador noturno especializado. |
| Anfíbio Proteus anguinus | Perda dos olhos funcionais | Vida subterrânea em cavernas calcárias | Órgãos visuais atrofiados substituídos por sensibilidade cutânea à luz. |
Como a natureza, sem intenção ou direção, produz uma organização crescente da matéria viva, desde a célula primitiva até organismos multicelulares complexos?
A resposta está na termodinâmica dos sistemas abertos e na lógica da auto-organização.
A evolução biológica não é um progresso, mas uma exploração de possibilidades. A evolução não tem propósito (nenhum objetivo de avançar em direção à complexidade). Cada transformação biológica é simplesmente o resultado de restrições locais: mutações aleatórias, interações físicas e químicas, e seleção natural em um ambiente dado. Algumas dessas restrições favorecem a emergência de estruturas estáveis, ou seja, mais organizadas.
Assim, a complexidade crescente que observamos na biosfera não é uma tendência universal, mas um efeito colateral da física dos sistemas dissipativos.
Um sistema vivo é um sistema aberto, longe do equilíbrio termodinâmico. Ele troca continuamente matéria e energia com seu ambiente. De acordo com a teoria de Ilya Prigogine (1917-2003), esses sistemas podem se auto-organizar quando o fluxo de energia excede um certo limiar crítico.
N.B.:
Princípio: Um fluxo constante de energia pode manter uma estrutura ordenada, desde que haja dissipação de entropia para o exterior.
A transição para a célula eucarionte não é um "progresso", mas o resultado de uma simbiose estabilizada. Uma célula primitiva (arqueia) integrou uma bactéria aeróbica, que se tornou uma mitocôndria. Esse processo de endossimbiose permitiu explorar a energia de forma mais eficiente, aumentando assim a capacidade de auto-organização. É uma transição energética antes de ser hierárquica.
Quando células semelhantes cooperam para gerenciar melhor os fluxos de energia e nutrientes, surgem naturalmente diferenciações funcionais. Algumas células se especializam em estrutura, outras em reprodução e outras em comunicação.
Cada nível de organização (célula → tecido → órgão → organismo) não é o produto de um "plano", mas de uma estabilização progressiva das interações. Quanto mais um sistema troca energia e mantém memória (informação genética, epigenética ou química), mais ele pode se estruturar sem perder seu equilíbrio dinâmico. Do ponto de vista físico, manter uma estrutura ordenada e complexa requer um fluxo constante de energia.
\( \text{Complexidade} \approx \text{Estabilidade} + \text{Fluxo de Energia} + \text{Informação Conservada} \)